Por Cauê Rodrigues Amaral >
Continuando nossa série de comentários em relação às potenciais alterações e consequências das pretendidas reformas tributárias atualmente em discussão, nesta semana trouxemos alguns exemplos e previsões dos principais impactos fiscais que podem se concretizar com a vinda do Imposto sobre Bens e Serviços “IBS”.
Muito embora as reformas sejam genericamente propostas como fiscalmente neutras, na média, pode haver contribuintes individuais que sejam onerados pela proposta e outros que sejam beneficiados. Este artigo traz alguns exemplos.
No contexto por exemplo da PEC 45 e olhando apenas para os prestadores de serviços, estes deixarão de tributar as receitas auferidas com a prestação de serviços pelas atuais alíquotas de PIS/COFINS e ISS e passarão a aplicar a alíquota única do IBS. Para colocar em números, a alíquota combinada que hoje onera os prestadores de serviços em até 14,25%. Com a vigência da PEC 45 e PEC 110, essa variação seria substituída por uma alíquota que hoje tem sido prevista para estar entre 25% e 33%, conforme discussões na Câmara dos Deputados e Senado (respectivamente).
Para colocar esta diferença em perspectiva, elaboramos abaixo dois gráficos demonstrando a porcentagem da receita de um prestador de serviços que é entregue aos cofres públicos em cada uma das situações descritas.
Ainda que a alíquota do ISS varie atualmente de 0% a 5%, no exemplo, adotamos a maior alíquota, pois especialmente no município de São Paulo, a alíquota de 5% é a que mais afeta os serviços listados no anexo da Lei Complementar Nº 116/03. Para alguns prestadores de serviços, hoje tributados sob alíquotas inferiores de ISS, a diferença será ainda mais sentida do que aquela ilustrada acima.
Ao oferecer suas receitas à tributação pelo IBS, os prestadores de serviços poderão compensar créditos de IBS sobre insumos e potencialmente custos e serviços adquiridos de terceiros que foram incorridos e necessários à prestação de serviços em si. O que observamos, contudo, em grande parte das empresas prestadoras de serviços, é que esse tipo de custo é pouco relevante na composição dos custos totais. Por isso, no exemplo didático, desprezamos o valor desses créditos.
O maior custo dos prestadores de serviços é a folha de pagamentos que não confere crédito de IBS. Logo, caso seja estabelecida a incidência de IBS sem a redução da tributação da folha, o setor de serviços tende a pagar mais tributos com a reforma tributária.
Dentre os prestadores de serviços potencialmente mais afetados poderão estar ainda os profissionais liberais que, em geral, têm custo, inclusive de folha de pagamentos, menos expressivo.
Sabendo que o setor de serviços provavelmente será onerado com o advento da reforma do IBS, cabe analisar seus impactos na indústria e comércio. Isso porque, como vimos no artigo anterior desta Série Reforma Tributária, o IBS substituirá os tributos que mais oneram esses setores (i.e., o ICMS e o IPI).
Uma empresa que comercializa mercadorias mais industrializadas, por exemplo, será menos impactada pelo IBS por conta do desaparecimento do IPI do que uma empresa que comercializa produtos não industrializados. Nesse contexto, a reforma poderá beneficiar mais as empresas que comercializam produtos hoje tratados como “menos essenciais”[1], que estão sujeitos às alíquotas de IPI e ICMS mais elevadas.
Ilustra-se essa diferença em termos de impacto fiscal quando analisamos em perspectiva os potenciais efeitos do IBS em empresas varejistas.
A título exemplificativo, obtivemos informações públicas constantes nas Demonstrações Financeiras referentes ao exercício de 2019 do Grupo Pão de Açúcar (“Supermercado”) e da Magazine Luiza (“Varejista”), que apresentavam as seguintes informações:
Diante dessas informações, apresentamos abaixo a representatividade dos tributos indiretos e do IBS em relação à receita bruta do Supermercado e da Varejista, além da efetiva variação da receita líquida no Cenário Atual Vs Pós Reforma.
No nosso exemplo, admitimos que o IBS seria aplicado por um cálculo simples, sobre a diferença entre a receita bruta e os custos das mercadorias vendidas e, com esse cálculo simplificado, verifica-se que eventual IBS poderia reduzir a tributação também para os Supermercados e os Varejistas. É certo que a tributação indireta segue procedimentos de cálculo e pagamento muito mais complexos do que se pode aferir pera mera análise das demonstrações financeiras das empresas. Logo, na prática, os impactos do IBS poderão ser divergentes do calculado, inclusive para as duas empresas estudadas.
Aqui, o impacto de eventual IBS é menos expressivo para os supermercados porque os produtos comercializados são mais essenciais – sofrem (genericamente) menor tributação pelo IPI e ICMS. Enquanto os varejistas, que comercializam preponderantemente menos produtos “básicos/essenciais” (i.e., atualmente sujeitos às alíquotas mais elevadas de ICMS e IPI), teriam uma redução mais expressivo de tributos.
Ainda assim, a alíquota do IBS não nos parece ideal.
Segundo as estatísticas da Carga Tributária Brasileira (CTB) divulgadas pela Receita Federal do Brasil para o ano-calendário de 2019 os tributos federais sobre consumo somaram 5,66% do Produto Interno Bruto (PIB), já os estaduais somaram 7,35% do PIB e os municipais somaram 1,24% do PIB, no total 14,25%. Considerando que o governo não paga imposto, as exportações e os investimentos não deveriam ser tributados, esses impostos devem ser arcados pelo consumo das famílias. Segundo o IBGE, o consumo das famílias representou cerca de 65% do PIB em 2019[2], logo, a alíquota ideal dos tributos sobre consumo deveria ser de cerca de 22% (14,25% sobre 65%) e não 25% ou 33% como tem sido aventado para o IBS.
Grosso modo, a fim de incentivar a produtividade e o consumo, espera-se da reforma que pelo menos a indústria e o investimento em capitais sejam desonerados, além de uma atenção especial no setor de serviços e à tributação da folha de pagamentos, já muito onerosa no país. Pois caso contrário, a conta não fecha!
E não é apenas através da PEC 45 ou PEC 110 que se pretende reformar o sistema tributário brasileiro. Há ainda a tributação de dividendos que, mais uma vez, tenderá a afetar de forma mais significativa a dinâmica atual de funcionamento do setor de serviços. Essa tributação, contudo, será objeto do nosso próximo post.
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[1] Esta é a nomenclatura utilizada pelo legislador tributário ao tratar do Princípio da Seletividade do ICMS e, parece-nos muitas vezes questionável haja vista que determinados produtos altamente essenciais recebem algumas das mais altas tributações, como é o caso da energia elétrica que já chega a ser tributada à alíquota de 25% em São Paulo. Inclusive, é matéria de Repercussão Geral a discussão sobre a tributação excessiva de produtos como a energia elétrica, em violação ao princípio da seletividade do ICMS (Leading Case RE nº 714.139/SC).
[2] https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-03/consumo-das-familias-e-grande-motor-da-economia-diz-ibge#:~:text=Setor%20tem%20peso%20de%2065%25%20na%20composi%C3%A7%C3%A3o%20do%20PIB&text=A%20avalia%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A9%20da%20coordenadora,(IBGE)%2C%20Renata%20Palis.&text=Para%20a%20coordenadora%2C%20o%20consumo,65%25%20na%20composi%C3%A7%C3%A3o%20do%20PIB.
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