Por Cauê Rodrigues Amaral >
O Projeto de Lei Complementar[1] (PLP) nº 170/2020, recém-aprovado, propõe migrar a incidência do ISS para o município do cotista. Cotistas de um mesmo Fundo de Investimento que estiverem domiciliados em municípios com alíquotas diferentes – um de 2% e outro de 5% – poderão estar sujeitos a valores distintos de ISS, ainda que o serviço prestado ao Fundo pela administradora/gestora tenha sido exatamente o mesmo.
Considerando que, na prática, a taxa de administração é faturada em nome do fundo – e não de cada cotista individualmente – e varia de acordo com seu patrimônio líquido, o PLP nº 170/20 veio dificultar a apuração da base de cálculo do ISS, se passarmos a ter que olhar para a apuração de cada cotista individualmente.
A determinação para que o ISS incidente sobre determinadas atividades[2] passasse a ser devido no local do domicílio do tomador do serviço, como forma de garantir uma melhor distribuição de receita para milhares de municípios do País, foi dada pela Lei Complementar nº 157/16 (LC 157/16). A par das discussões econômicas em relação a essa distribuição almejada pela lei complementar, o legislador não definiu quem seria o tomador do serviço quando decidiu migrar a incidência do ISS do local do prestador para o local do tomador do serviço. Com isso, a LC 157/16 fez com que cada município regulamentasse a cobrança do ISS de forma diferente[3], gerando muitas divergências e insegurança jurídica para os contribuintes desse imposto.
Diante da falta de expectativas em relação ao avanço das discussões com os representantes dos municípios e da vigência da LC 157/16, a Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) e a Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (Cnseg) propuseram ao Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)[4] em relação à LC 157/16.
A ADI solicita que seja mantido o recolhimento do ISS no local do prestador de serviço até que os aspectos controversos da LC 157/16 sejam superados e que sua constitucionalidade seja avaliada pelo STF. Por meio da ADI, Consif e Cnseg afirmam que a LC nº 157/16 gerou insegurança jurídica ao não definir quem são os tomadores dos serviços e qual é a correspondente base de cálculo do ISS.
Foi nesse contexto que, dia 27 de agosto, o Senado Federal aprovou o PLP 170/20 (Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei do Senado nº 445, de 2017), que transfere o recolhimento do ISS devido nos casos de “serviços de administração de carteira de valores mobiliários e dos serviços de administração e gestão de fundos e clubes de investimento” para o município do cotista, passando a esclarecer quem é o tomador de tais serviços.
Em 2 de setembro, o projeto foi encaminhado à Secretaria Geral da Presidência da República para sanção e, se sancionado, terá vigência a partir de 1º de janeiro de 2021.
Caso o PLP 170/20 venha a ser sancionado, a ADI 5.835, que aguarda julgamento definitivo, perderia seu objeto no que se refere à ausência de definição, pela LC 157/16, de quem seria o tomador do serviço nos casos de administração e gestão de fundos e carteiras e, portanto, o ISS, em princípio, passaria a ser devido no município do cotista a partir de 1º de janeiro de 2021.
Contudo, mesmo o PLP 170/20 esclarecendo que o tomador do serviço de administração e gestão de fundos é o cotista e não o Fundo de Investimento, muitas discussões ainda estão por vir.
Imaginem um investidor domiciliado em Ribeirão Preto/SP que tem residência também em São Paulo/SP, onde desenvolve parte de seus negócios e que decide acessar a plataforma digital de sua corretora de investimentos pelo aplicativo no celular para assinar o termo de adesão e aplicar (disponibilizar seus recursos) em determinado Fundo de Investimentos cuja administradora tem estabelecimento na cidade do Rio de Janeiro/RJ.
Onde é devido o ISS?
Caso o PLP 170/20 venha a ser sancionado, o ISS seria devido no município de Ribeirão Preto/SP. Contudo, no fim do dia, o prestador de serviços (i.e., a administradora de fundos com estabelecimento no município do Rio de Janeiro) não prestou nenhum tipo de serviço em Ribeirão Preto/SP, não disponibilizou qualquer estrutura ou estabelecimento e não teve funcionários nesse município. Nessa hipótese, a localização do tomador do serviço/cotista é totalmente irrelevante e não representa o núcleo da hipótese constitucional de incidência tributária.
A ADI 5.835 ainda está pendente de julgamento definitivo e o PLP 170/20 ainda não foi sancionado. Por isso a importância desse assunto. A ideia aqui é desburocratizar, reduzir custos com obrigações acessórias que já fazem o Brasil um campeão, além de impedir uma onda de medidas judiciais decorrentes da interpretação e necessidade de conexão da legislação tributária de cada um dos 5.570 municípios brasileiros com a lei complementar.
Nós do Junqueira Ie Advogados esperamos que o PLP nº 170/20 seja revisto para cumprir efetivamente seu papel de estabelecer normas gerais em matéria tributária, especificamente em relação ao fato gerador, base de cálculo e contribuinte do ISS para os serviços que discrimina. Caso contrário, ele impossibilitará que os municípios instituam validamente o ISS.
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[1] O PLP prevê que o ISS será apurado pelo contribuinte e declarado por meio de um sistema eletrônico de padrão unificado em todo o território nacional, a ser desenvolvido pelos contribuintes, pelo qual os municípios poderão acessar e fiscalizar as obrigações acessórias de cada operação. O projeto prevê, ainda, a criação do Comitê Gestor de Obrigações Acessórias do ISSQN (Cgoa), com o objetivo de estabelecer um padrão nacional de obrigações acessórias, de adoção facultativa pelos municípios e pelo Distrito Federal.
[2] Dentre elas, destacamos os serviços de Administração de fundos quaisquer, de consórcio, de cartão de crédito ou débito e congêneres, de carteira de clientes, de cheques pré-datados e congêneres.
[3] As Prefeituras de São Paulo e do Rio de Janeiro, preocupadas com a perda de receita, se manifestaram através do Parecer Normativo nº 2/17 e Instrução Normativa nº 28/18, respectivamente, defendendo que o tomador do serviço de administração seria o Fundo de Investimento.
[4] A ADI é o instrumento constitucional utilizado para combater parcialmente ou integralmente leis e atos normativos que sejam inconstitucionais.
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