Por Victor Baccega >
Seja pela possibilidade de maior previsibilidade ou de economia fiscal na sucessão, os adventos da crise sanitária causada pela pandemia do COVID-19 e recentes discussões sobre um possível aumento do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), em São Paulo, revelam a importância de as famílias buscarem planejamentos sucessórios e patrimoniais.
A doação no planejamento sucessório
Uma das formas de se planejar a sucessão patrimonial é através da antecipação – em vida – do patrimônio aos herdeiros. A antecipação ocorre por meio de doação, sendo facultado ao doador o direito à manutenção do usufruto com a transferência aos donatários apenas da nua-propriedade do bem doado. Ou seja, os direitos políticos (poder de decisão) e econômicos (rendimentos, lucros, dividendos, aluguéis etc.) são mantidos na pessoa do doador enquanto este desejar ou até o seu falecimento.
Em São Paulo, no que se refere a tributação sobre tais doações, a lei estadual que trata do ITCMD (Lei do ITCMD/SP) determina que a base de cálculo do imposto será de:
- 1/3 (um terço) do valor do bem, na instituição do usufruto, por ato não oneroso; e
- 2/3 (dois terços), na transmissão não onerosa da nua-propriedade, sendo facultado ao contribuinte, nos termos do Regulamento do ITCMD no Estado (RITCMD/SP), o diferimento do pagamento da parcela referente ao usufruto para o momento da consolidação da plena propriedade na pessoa do donatário.
Ainda de acordo com a Lei do ITCMD/SP, são isentas do imposto as extinções de usufruto decorrentes de sucessão causa mortis, quando o nu-proprietário tiver sido o instituidor do direito.
Nota-se que, ao editar a Lei do ITCMD/SP, o legislador não definiu em quais situações o usufruto é instituído ou extinto, abrindo margem para se discutir se a parcela do imposto referente ao usufruto seria devida nos casos em que há doação da nua-propriedade e posterior consolidação da plena após o falecimento do doador.
Isso porque no ato da doação, como o próprio instituto sugere, haveria mera reserva/manutenção, pelo doador, de usufruto já existente, e não a instituição/criação de direito novo, não configurando hipótese de incidência. Já no evento do falecimento, quando há a consolidação da plena propriedade, pelo donatário, haveria a extinção daquele mesmo usufruto e, portanto, operação isenta do imposto.
O questionamento foi levado à Administração Tributária Estadual via consulta e a autoridade fiscal entendeu não se tratar de hipótese de isenção, nos seguintes termos:
“Com a morte do usufrutuário (ou com a renúncia ao usufruto), consolida-se a propriedade plena na pessoa do nu-proprietário (donatário) e, nessa oportunidade, deverá ser recolhido a parcela restante do imposto referente à doação ocorrida anteriormente (e não referente à extinção do usufruto), que terá como base de cálculo o valor correspondente ao usufruto, isto é, 1/3 (um terço) do valor do bem, devidamente corrigido.”
Decisões do TJSP sobre ITCMD na doação
No âmbito judicial, a decisão mais recente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) (Acórdão de 12/11/2020 no processo nº 1046966-50.2019.8.26.0224) decidiu pela impossibilidade de exigência do 1/3 (um terço) do imposto, uma vez que a previsão legal que trata do diferimento, e que justificaria a cobrança, está prevista apenas no RITCMD/SP. Assim, “acaba por criar exigência de recolhimento do imposto em discordância com a lei estadual, não podendo ser aplicada”.
Ressaltamos, contudo, que a decisão não é definitiva, e a Fazenda deve recorrer, uma vez que a jurisprudência não é pacífica. Há julgados determinando o recolhimento, após o falecimento do usufrutuário, da parcela remanescente do imposto, por entender que o imposto é integralmente devido pela doação com a reserva de usufruto, sendo facultado ao contribuinte apenas o seu diferimento.
Alesp tem propostas para alterar o ITCMD
A questão também vem sendo discutida na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), por meio do PL 250/2020, que propõe que o ITCMD passe a ser recolhido integralmente no momento da doação, não sendo mais admitido o diferimento, e do PL 529/2020, que continha previsão semelhante, mas foi convertido em lei com veto na parte do ITCMD.
Nesse sentido, evidente que as doações com reserva de usufruto merecem atenção e carecem de segurança jurídica. A equipe do JLegalTeam seguirá acompanhando os desdobramentos legislativos e jurisprudenciais, especialmente no que se refere ao tratamento tributário adequado ao caso concreto.
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