Por Lavinia Junqueira >
Foi disponibilizado no site do CARF o Acórdão 2402-007.732, bem importante para pessoas físicas que têm contas financeiras no exterior ou investem diretamente em fundos no exterior.
1 – Sobre o Caso
A pessoa física investiu em uma conta bancária no exterior e por intermédio dela em um fundo denominado US Short Bond Fund do Banco Itaú Europa.
A Receita Federal do Brasil (RFB) entendeu que a pessoa física recebeu, em sua conta bancária no exterior, o crédito de “juros mensais”, inerentes ao investimento nesse fundo, e que tais “juros mensais” seriam tributáveis pelo imposto de renda, pois a pessoa física não comprovou que eles não estariam disponíveis para saque/resgate.
Há, de fato, no exterior, fundos que creditam juros periodicamente nas contas bancárias dos investidores. Caso o investidor não resgate os valores, eles são reinvestidos no mesmo fundo.
O que a RFB entendeu como sendo “crédito de juros” na verdade foi simplesmente a variação do valor do investimento no fundo no exterior, mês a mês, verificado de acordo com o extrato de posição de carteira (portfolio statement), que informa o valor estimado de mercado dos investimentos, no final de cada mês.
A RFB classificou como sendo “juros ou resgates” o acréscimo mensal do saldo em moeda estrangeira (US$) do investimento no exterior, a valor de mercado.
Por outro lado, a pretexto de tributar esse acréscimo mensal de saldos, a RFB em verdade acabou calculando e tributando o valor em Reais do investimento no final do mês, excluindo, como custo de aquisição, o valor em Reais do investimento no final do mês anterior.
Foi tributada, portanto, variação cambial do investimento, como se juros fosse, sem que tenha havido qualquer tipo de resgate do fundo ou realização do ganho de variação cambial.
Entendeu a RFB que o investidor não provou que não podia resgatar o investimento no fundo e por isso era tributável.
Tanto a Delegacia da Receita Federal de Julgamento (DRJ) quanto o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) acompanharam a posição da RFB e mantiveram o lançamento fiscal.
2 – Nosso Entendimento
Nós entendemos que é tributável, nos termos do artigo 24 da Medida Provisória 2.158-35/01 e do Ato Declaratório 08/03, o crédito de juros e dividendos, conforme feito em contas-correntes bancárias e financeiras no exterior, conforme apresentado no extrato de conta-corrente (statement of account).
O extrato de portfolio, adotado no Acórdão analisado, que mostra a posição da carteira de investimentos para efeito unicamente informativo, não implica em crédito de valores em conta-corrente e por isso é imprestável para efeito jurídico e fiscal.
As variações do preço de mercado de instrumentos financeiros no exterior, incluindo cotas ou ações de fundos de investimento, assim também as diferenças de variação cambial, somente são tributáveis no momento da efetiva alienação do investimento por parte do investidor, que pode ocorrer na venda, resgate ou no vencimento/liquidação da aplicação financeira.
Não é porque um bem ou direito – ação, cota de fundo, título de dívida, imóvel, carro – está disponível para ser vendido que se apura, naquele momento, o ganho de capital. Para se apurar e tributar ganho de capital, é necessário haver a efetiva venda do bem ou direito.
Até porque se não fosse apenas no momento da venda deveria ser apurado ganho de capital a cada hora ou dia. Porque o critério de tributar todo o mês adotado pela autoridade fiscal seria melhor do que a cada hora, dia, ano, ou a cada dois anos, enfim? Em verdade, apenas a Lei pode estabelecer o momento da tributação e a Lei diz que é o momento da alienação: venda, resgate, vencimento, liquidação.
Nesse momento da venda, haverá um crédito de valores no extrato de conta-corrente (statement of account) e se poderá apurar os montantes em Reais tributáveis.
Não sabemos com qual profundidade esses elementos jurídicos e de fato foram abordados no processo e por isso entendemos que se trata de uma decisão isolada, que não reflete a nosso ver a melhor compreensão dos fatos e do direito aplicável.
3 – Cuidados Oportunos
O precedente do CARF pode se traduzir em um risco de fiscalização e autuação relativo a investimentos realizados por pessoas físicas diretamente em contas correntes no exterior e em fundos de investimento.
É oportuno que os investidores se certifiquem que possuem os extratos de movimentação de conta-corrente (statement of account) de seus investimentos no exterior dos anos-calendários de 2015 em diante, bem como dos períodos em que adquiriram investimentos financeiros, ainda que anteriormente, para que possam conciliar esses extratos com as apurações fiscais que fizeram nas suas declarações de imposto de renda, visando comprovar custo de aquisição, preço de venda e crédito de juros e dividendos.
Os investidores devem priorizar a comprovação de custos de aquisição, preços de venda e crédito de juros e dividendos, perante a RFB, por meio do extrato de movimentação de conta corrente (statement of account) ao invés do extrato de portfolio (statement of portfolio).
Para fundos exclusivos/restritos, é interessante pedir ao agente custodiante um extrato anual de custódia que mostre, unicamente, as datas e movimentações realizadas durante o ano de novos investimentos ou resgates bem como a composição do custo de aquisição com datas, quantidade de ações e valores de custo, sem informar dados de posição ou valor de mercado dos investimentos.
Ficamos à disposição para esclarecimentos oportunos.
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