Por Cauê Rodrigues, Diego Enrico Peñas e Marina Chnee >
Segundo dados do Banco Central, em 2020 foram enviados US$ 44,2 bilhões relativo ao pagamento de serviços ao exterior. Em 2019, por sua vez, o envio de recursos foi ainda maior, chegando a US$ 69,3 bilhões.
Diante desse volume de recursos remetidos ao exterior, muito se discute, especificamente em relações comerciais entre países, onde a renda deve ser tributada, se no Brasil ou no exterior.
Recentemente, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao Recurso Especial nº 1.759.081/SP, interposto pela Fazenda Nacional, que trata da cobrança do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre remessas ao exterior para pagamento de serviços e assistência técnica.
O caso trata do enquadramento das verbas remetidas ao exterior em razão da prestação de serviços de engenharia e assistência administrativa, no Tratado para Evitar Dupla Tributação entre Brasil e Espanha (“TDT Brasil/Espanha” – promulgado pelo Decreto nº 76.975/1976). A questão era determinar se tais verbas sujeitam-se à exclusiva tributação no exterior (país de residência) ou se sobre elas incide o IRRF no Brasil (país fonte).
Remessas ao exterior como “royalties”
Embora o Tribunal Regional Federal da 3ª Região tenha entendido que tais remessas consistem em “lucro das empresas”, conforme artigo 7º do TDT Brasil/Espanha, sujeitos à tributação exclusiva no exterior (país de residência), sem a incidência do imposto no Brasil (país de fonte), a Fazenda Nacional alegou que o tribunal, ao firmar entendimento sobre a hipótese prevista no artigo 7º da referida convenção, qualificando o rendimento como lucro das empresas, deixou de examinar a possibilidade de enquadramento destes valores em outros dispositivos do tratado, como aqueles: (i) do artigo 12 (“royalties“) e (ii) do Protocolo, item “5” (Decreto nº 76.975/96).
Com isso, a Fazenda Nacional afirma que o tratamento jurídico conferido aos rendimentos provenientes dos serviços de assistência técnica e dos serviços técnicos é de “royalties”, sujeito ao IRRF limitado à alíquota de 15% no Brasil.
O STJ, em linhas gerais, aplicava automaticamente o art. 7º dos acordos internacionais dos quais o Brasil faz parte e que têm base na Convenção Modelo da OCDE, de forma que o seu entendimento caminhava no sentido de que não incide IRRF sobre remessas ao exterior decorrentes de contratos de prestação de serviços e assistência técnica, sem transferência de tecnologia, quando existente tratado para evitar a dupla tributação.
Ou seja, o STJ caracterizava essas remessas como “lucro da empresa”, de modo que a tributação deveria ocorrer apenas no país de residência, isto é, da empresa que prestou o serviço e recebeu os recursos.
Ocorre que, na sessão do dia 15 de dezembro de 2020, foi decidido pela 2ª Turma do STJ que a aplicação do artigo 7º “lucro das empresas” nesses tipos de remessa não pode ser mais automática.
O STJ passou a adotar o entendimento de que é preciso verificar caso-a-caso se cada remessa consistirá em “serviços profissionais independentes” (art. 14, do modelo OCDE) ou em “prestação de serviços, sem transferência de tecnologia”, onde o pagamento de “royalties” está embutido no preço (art. 12, do modelo OCDE). Entendeu-se que somente após vencidas essas duas etapas é que se poderia verificar o enquadramento residual na condição de “lucros das empresas” (art. 7, do modelo OCDE).
Risco de dupla não tributação
Nesse sentido, o ministro relator deu provimento ao recurso da Fazenda para determinar o retorno dos autos ao tribunal de origem, a fim de que seja avaliado se, no caso concreto, há pagamento de royalties e se os valores foram caraterizados da mesma forma nos dois países, já que tal fato pode resultar em uma dupla não tributação da renda.
Esta discussão não se aplica para os tratados celebrados com países que não adotam o modelo de convenção da OCDE, como Áustria, Finlândia, França, Japão e Suécia. Nestes casos deveria prevalecer o tratamento automático de tais remessas, por prestação de serviços, como “lucro das empresas”.
No fim do dia, o comportamento da Fazenda Nacional não deixa de ser protelatório e obstrucionista, fazendo com que os contribuintes não possam facilmente aproveitar dos benefícios tributários, mesmo quando ganham a tese.
Milhares de empresas que possuem contratos com fornecedores estrangeiros e que possuíam Mandado de Segurança para não reter o IRRF sobre a remessa talvez fiquem sujeitas a nova produção de provas em relação ao tipo de serviço prestado. Isso, além de incorrer no risco de questionamentos acerca da dedutibilidade da despesa e atenção ao preço de transferência.
Enfim, esse tipo de comportamento que vem sendo adotado, procurando encher os cofres públicos a qualquer custo, serve apenas para fomentar uma relação cada vez mais antagonista com os contribuintes, muitas vezes atentando contra o bem estar comum sem gerar resultados reais para a arrecadação.
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