A Secretaria da Fazenda e Planejamento de São Paulo (Sefaz) proferiu, por meio da Resposta à Consulta nº 22.070/2020 (RC 22.070/2020), entendimento sobre a possibilidade de incidência do Imposto sobre Transmissão Causa mortis e Doação (ITCMD) em integralização de capital social com transferência de imóveis do patrimônio dos sócios para a sociedade.
A consulta foi proposta por uma sociedade limitada com atividade de holding de instituição não-financeira, constituída por três sócios, cujo capital fora integralizado em dinheiro e um imóvel pelo seu valor de custo de aquisição. Segundo a ora consulente, o Registro de Imóveis teria exigido o pagamento do ITCMD como condição para transferir os imóveis dos sócios para a empresa.
De acordo com a tese firmada pela Sefaz, via de regra a integralização de capital social com a transferência de imóveis não estaria sujeita ao ITCMD, exceto quando se verificar que houve a utilização de atos e negócios jurídicos “desprovidos de essência negocial”, com o objetivo de “suprimir o real fato gerador da obrigação tributária”.
Como exemplo, a consulta cita hipótese em que 3 sócios – A, B e C – constituem empresa com capital social de R$ 300 mil, dividido em 300 mil quotas de R$ 1,00 cada. Os sócios A e B, coproprietários de imóvel com valor de mercado de R$ 500 mil e custo de aquisição de R$ 200 mil, integralizam 100 mil quotas cada com o imóvel pelo valor de custo (R$ 200 mil), enquanto C integraliza suas quotas em dinheiro por R$ 100 mil. Segundo a Sefaz, o sócio C teria “adquirido” suas quotas por R$ 100 mil mas estas teriam valor de mercado de R$ 200 mil, havendo um ganho para si e prejuízo para os demais, o que caracterizaria uma transferência a título de doação de A e B para C que é, portanto, sujeita ao ITCMD.
O artigo 116 do CTN e a ADI 2.446
Nesses casos, a Sefaz entendeu que a autoridade administrativa estaria autorizada a desconsiderar os negócios praticados com base no parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional (CTN).
De início, cumpre mencionar que referido dispositivo é objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 2.446) em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal. Faltando apenas um voto para concluir o acórdão, ressaltamos o entendimento da Ministra Relatora Carmem Lucia que, ao que tudo indica, representará o pensamento majoritário da Corte. Segundo a Ministra, a norma “não proíbe o contribuinte de buscar, pelas vias legítimas e comportamentos coerentes com a ordem jurídica, economia fiscal, realizando suas atividades de forma menos onerosa, e, assim, deixando de pagar tributos quando não configurado fato gerador cuja ocorrência tenha sido licitamente evitada”.
Nesse sentido, entendemos que o caso analisado pela RC 22.070/2020 não se enquadra nas hipóteses proibidas pela norma. Isso porque o Artigo 997, III do Código Civil prevê que o capital da sociedade poderá ser integralizado por quaisquer bens suscetíveis de avaliação, tal como imóveis. Além disso, o artigo 23 da Lei 9.249/95 expressamente admite que o sócio transfira, a título de integralização de capital, bens e direitos pelo valor constante da sua declaração de bens ou pelo valor de mercado, garantindo ao contribuinte a faculdade de diferir o momento da percepção do ganho.
Assim, não se pode admitir que a Administração Tributária intervenha na liberalidade garantida ao contribuinte em lei para descaracterizar o negócio jurídico, muito menos penalizar o contribuinte que tenha optado por uma forma ao invés de outra.
Além disso, segundo a Sefaz, o suposto ganho do sócio seria proporcional ao valor de mercado do imóvel à época da integralização. Para tanto, pressupõe-se que (i) o imóvel será necessariamente alienado, (ii) por aquele preço e (iii) que o lucro será distribuído igualmente entre os sócios.
Pois bem. E no caso do imóvel ser alienado por preço inferior ou sequer alienado e a sociedade extinta com a sua devolução ao sócio que o integralizou? E no (improvável) caso de se materializar a hipótese pressuposta pela Sefaz, mas a sociedade vier a distribuir o lucro da venda de forma desproporcional entre os sócios? Nesses casos, em que o suposto ganho não se materializaria, poderia o contribuinte requerer a restituição do imposto? Em princípio, contrário sensu, nos parece que sim, mas a omissão pela RC 22.070/2020 e a falta de previsibilidade legal criam uma situação de incerteza e insegurança jurídica aos contribuintes.
Visão do Junqueira Ie Advogados
Em nossa visão, o entendimento da Sefaz externado por meio da RC 22.070/2020 não merece prosperar. Conforme demonstramos, o entendimento apoia-se em uma interpretação equivocada do parágrafo único do artigo 116 do CTN, incorrendo em nítida afronta aos princípios da legalidade e liberdade econômica do indivíduo. Nesse sentido, a conduta do Órgão fazendário extrapola os limites de suas atribuições e pretende criar hipótese de incidência tributária do ITCMD não prevista em lei.
A equipe do Junqueira Ie Advogados entende que há sólidos argumentos jurídicos e econômicos para sustentar que a integralização de capital social de holdings patrimoniais mediante conferência de imóveis não é fato gerador de ITCMD e está preparada para lidar com a defesa dos interesses dos contribuintes em casos de eventuais abusos de órgãos civis e/ou fiscais.
VOLTAR