Por Cauê Rodrigues Amaral >
Devido a heterogeneidade das empresas no Brasil, trouxemos na última série sobre reforma tributária um pouco dos possíveis impactos tributários do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) em diferentes tipos de indústria – olhando apenas para a PEC 45 ou PEC 110. Nesse meio tempo, o governo propôs o PL 3.887/202 que pretende instituir a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que visa simplificar as contribuições ao PIS/COFINS.
A alíquota da CBS seria de 12% (doze por cento), revelando aumento substancial em comparação às atuais alíquotas não cumulativas das contribuições ao PIS/COFINS, de 9,25%, e em relação às empresas optantes pelo regime cumulativo, que hoje contam com uma alíquota combinada de 3,65%[1].
Além disso, a CBS seria não cumulativa, autorizando a apropriação de créditos correspondentes aos valores da CBS destacados em documentos fiscais relativos às aquisições de bens ou serviços. Em sua exposição de motivos, o Governo destaca a proposta de não cumulatividade plena da contribuição: “(…) a não cumulatividade será plena, garantindo neutralidade da tributação na organização da atividade econômica”[2].
Prestadores de serviços
Em termos econômicos, os prestadores de serviços seriam os mais prejudicados pela CBS, na medida em que não “tomariam” créditos relevantes de CBS nas etapas anteriores, especificamente em relação à mão de obra, maior despesa do setor. Os prestadores de serviços optantes pelo regime do lucro presumido, sujeitos à atual alíquota combinada de 3,65% de PIS/COFINS, passariam a pagar 12% de CBS, sem que créditos relevantes sejam tomados em relação às etapas anteriores da cadeia.
Racional econômico contrário que tenta justificar o aumento da alíquota é que os encargos sobre a folha de salários serão reduzidos. Razão econômica válida, mas que não atende a “sociedade de profissionais”, por exemplo, em que a maioria dos profissionais são sócios da pessoa jurídica e recebem dividendos.
Nessa série de reforma tributária, falaremos um pouco das propostas de tributação dos dividendos que, mais uma vez, tenderão a afetar de forma mais significativa a dinâmica atual de funcionamento de setores econômicos e ainda a estimular a fuga de capitais nacionais e o investimento de portfólio no exterior.
Na contramão do mundo, o Brasil tributa mais os bens e serviços (cerca de 50% da arrecadação provém de impostos sobre o consumo) e muito pouco a renda (pouco mais de 20% da arrecadação advém dos impostos sobre renda)[3]. Dos 34 países da OCDE, apenas a Estônia possui um regime de isenção total de lucros e dividendos como o Brasil[4].
Além disso, o Brasil possui uma dinâmica díspar. Primeiro porque a alíquota nominal de 34% (IRPJ e CSLL) no Brasil é maior do que as alíquotas nominais de IRPJ de todos os países membros da OCDE (até mesmo do que a França, de 32,2%)[5]. Isso faz com que os investidores prefiram receber dividendos a reinvestirem os lucros acumulados.
Segundo porque o investidor nacional é desonerado em comparação ao investidor estrangeiro. A alíquota final de 34% imposta pelo Brasil sobre os investidores nacionais em empresas sujeitas à apuração pelo Lucro Real, sem tributação adicional na distribuição dos dividendos, é inferior à média estrangeira de 41,49% (e mediana de 40,4%) imposta sobre investidores residentes em países membros da OCDE que investem entre si[6].
Mas afinal o que são dividendos?
Lucros são os valores repassados aos sócios pelas sociedades empresárias em geral, ao passo que os dividendos se referem à distribuição de lucros aos acionistas pelas sociedades anônimas. Atualmente, os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados a pessoa física ou jurídica, domiciliada no país ou no exterior, não estão sujeitos à incidência do Imposto sobre a Renda Retido na Fonte (IRRF).
A lógica econômica por traz dessa isenção é que o lucro – diferença contábil entre o total de receitas e despesas – já é tributado no nível da pessoa jurídica à alíquota de 34% ou (45% para determinadas empresas do setor financeiro). O contra-argumento é que o lucro/dividendo é tributado pela pessoa jurídica e não pelo sócio ou acionista (figuras distintas).
Abaixo destacamos os projetos de lei que tratam da tributação dos lucros e dividendos e que pretendem extinguir a faculdade de a pessoa jurídica deduzir os juros sobre o capital próprio (JCP) das bases de cálculo do IRPJ/CSLL:
O que dizem, por exemplo, as propostas apresentadas pelos Projetos de Lei nº(s) 3.061/2019 e 2.015/2020 em relação à tributação dos dividendos? Dizem que os “dividendos pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado em favor das pessoas naturais e jurídicas estarão sujeitos à incidência do IRRF à alíquota de 15%”, ao passo que os dividendos pagos a beneficiários residentes e domiciliados em países de tributação favorecida ou regime fiscal privilegiado estarão sujeitos à alíquota de 25%.
Nesse sentido, apenas para se ter uma ideia, destacamos abaixo o montante de dividendos distribuídos por quatro empresas de setores econômicos distintos no ano-calendário de 2019 e os respectivos impactos tributários (i.e., incidência do IRRF à alíquota de 15%) caso esses projetos venham a ser aprovados:
Como se observa, este aumento pode incorporar-se em valores significativos, o que significa dizer que, caso venha desacompanhado de uma correspondente e equivalente redução da carga tributária corporativa, muitos sofrerão esta oneração diretamente no bolso, inclusive os investidores estrangeiros, o que pode em muito prejudicar a economia brasileira.
É importante esclarecer que existem potenciais estruturas a serem adotadas do ponto de vista do investidor. Além disso, desde que o Brasil diminua a carga tributária corporativa e tribute os dividendos a ponto de tornar-se competitivo em relação aos países da OCDE, os acionistas terão maior incentivo para reinvestimento dos lucros, o que, por sua vez, tem o potencial de valorizar o preço de suas ações. Esta consequência indireta, tem, para os otimistas, o condão de reanimar o mercado acionário brasileiro, consequentemente atraindo maior investimento nacional e internacional.
De qualquer forma, continuaremos acompanhando os projetos relativos à tributação dos dividendos e torcendo para que esses projetos sigam os fundamentos de eficiência econômica em comparação aos países da OCDE, pois da forma como está, o Brasil sobrecarrega, repele e minimiza o capital estrangeiro, e desonera o investidor nacional; enquanto outros países competem para atrair capitais estrangeiros e tributam de modo semelhante entre si seus investidores nacionais.
—
[1] No caso da indústria de serviços financeiros, no entanto, o governo propôs um aumento de 4,65% de PIS/COFINS para 5,80% de CBS.
[2] PL 3887/2020 – Exposição de Motivos, parágrafo 7.
[3] Se consideramos também as contribuições especiais que pesam sobre o preço de bens e serviços, o percentual pode chegar até 75% da arrecadação brasileira advinda de tributos sobre o consumo. Fonte: Receita Federal. Carga Tributária no Brasil 2017: análise por tributos e bases de incidência. Disponível em: http://receita.economia.gov.br/noticias/ascom/2018/dezembro/carga-tributaria-brutaatingiu-32-43-do-pib-em-2017/carga-tributaria-2017-1.pdf.
[4] Fonte: GOBETTI, Sérgio Wulff; ORAIR, Rodrigo Octávio. Progressividade tributária: a agenda negligenciada. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_2190.pdf.
[5] Dados extraídos em 09/07/2020 Fonte: OECD.Stat.
[6] Tributação da Renda no Brasil – Insper.
VOLTAR